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A FORÇA DA MULHER SAPATÃO E A MÚSICA XOXOTA NA MACIOTA COMO CRÍTICA À HEGEMONIA MASCULINISTA HETERON

  • Guelba S. Alves Xavier
  • 28 de mai. de 2019
  • 3 min de leitura

É importante salientar que ao citar mulheres no decorrer do texto, falo sob licença do conceito de mulheridades. Descrevo aqui, a partir da narrativa pessoal, um experiencial enquanto mulher cisgênero, bissexual e negra, cuja proposta é discutir o determinismo binário nas expressões de gênero e o falocentrismo, enquanto discursos de poder ainda existentes.

Há uns anos relutava pelo termo sapatão, pois me incomodava a utilização limitadamente pejorativa e estereotipada das expressões de gênero de mulheres lésbicas e bissexuais, aludindo ao uso de sapatos, roupas e correlatos tidos como masculinos. No Brasil o termo surgiu na década de 70, e inclusive, citado em marchinhas de carnaval.

Me incomoda ainda, associar mulheres lésbicas ou bissexuais única e exclusivamente à uma definida expressão de gênero, pois à medida que somos sapatão, necessariamente somos “conduzidas” sob a lógica da estereotipia, ao cumprimento de expressões de gênero masculinas, e o descumprimento das mesmas ora deslegitimiza nossa orientação sexual lésbica ou bi, ora é permeada por fetichização. Quantas de nós já ouviram os comentários? “Nossa! Mas nem parece que você é lésbica ou bissexual” ou ainda “Ah eu sabia! Você tem cara de sapatão!”.

Meu incômodo se dá justamente a partir do interesse em desconstruir esse caráter binário nas expressões de gênero, e acredito que se essa construção perpassa, ainda as nossas relações sociais, é porque de fato, essas relações estão permeadas pelo poder de uma hegemonia masculinista heteronormativa.

Diante disso, o que pode implicar o cumprimento ou não dessas expressões de gênero? Podemos sofrer opressões ou violências por causa delas? Mulheres lésbicas ou bissexuais que cumprem expressões de gênero masculinas sofrem a mesma opressão que mulheres lésbicas ou bissexuais cujas expressões de gênero são femininas? E se forem mulheres lésbicas ou bissexuais negras? Foram esses alguns dos questionamentos que me fiz em um momento da militância, e que no decorrer dela me fez compreender que existem sim diferenças no cumprimento ou não dessas expressões, e que as violências podem ser acentuadas devido a essas expressões de gênero e ainda mais se existirem questões de raça e classe.

Tenho observado, com frequência, que o discurso de luta contra violências às nossas expressões, práticas e vivências tem ultrapassado espaços acadêmicos e coletivos. Tem ecoado nos blocos de carnaval, na literatura e nas músicas.

A música “xoxota na maciota” é um exemplo desse discurso, não foi escrita por mulheres, mas tem sido cantada por mulheres lésbicas e bissexuais como “um hino”. Considero interessante a análise diante do contexto cantado, pois compreendo ressignificação tanto para o termo sapatão, quanto para essa música. O termo sapatão cuja autodeclaração aponta força, resistência e crítica à hegemonia masculinista heteronormativa e a música “xoxota na maciota” enquanto crítica ao falocentrismo.

Sabemos que ter ou não um pênis diz muito em quase todas as circunstâncias (principalmente se for de um homem cisgênero, branco, hétero e abastado). Não quero aqui generalizar, e tão pouco culpabilizar todos que se enquadram nesses quesitos, minha intenção é apontar os privilégios que emergem de eixos de relações de poder que perpassam gênero, raça e classe, e que devem ser observados.

Se examinarmos os registros históricos, veremos que antes do século XVIII os órgãos sexuais femininos eram considerados versões internas dos órgãos sexuais masculinos, sendo por exemplo, a vagina como o pênis, o útero como o escroto.

Durante dois milênios os ovários não possuíam ao menos nome específico!

Apenas em 1759 é que alguém se importou em detalhar em um livro de anatomia o esqueleto feminino, pois até então havia uma estrutura básica de corpo humano e sua representação profundamente marcada por uma política hegemônica masculinista.

Até o fim da década de 90, o processo de excitação do Clitóris não tinha sido entendido, enquanto que a mesma estratégia usada para analisar a estrutura interna de um exemplar vivo, já havia sido realizada para estudar a anatomia masculina na década de 70.

Ainda hoje a vagina é tratada com depreciação, por muitas pessoas, há polêmica e censura acerca da exposição de mamilos femininos, e sem dúvida, essas questões apontam para análise sobre determinações, bem como, o prevalecimento de representatividade de papéis sociais sobre nossos corpos sexuados, e a reprodução histórica das desigualdades sociais advindas daí, entre outros discursos.

Meu interesse não é supervalorizar a vagina, e conforme declarei no início, reitero aqui, meu interesse é questionar a hegemonia masculinista heteronormativa e falocêntrica enquanto discursos de poder. E perceber que tanto a ressignificação do termo sapatão, quanto de uma música que fala explicitamente sobre a vagina podem expressar o reconhecimento e exteriorização da liberdade de nossas vivências, experiências e práticas, dando-nos assim visibilidade e força diante de violências que nos entrecortam.

Guelba S. Alves Xavier é psicóloga, pesquisadora de estudos de gênero e sexualidade, militante bissexual e feminista interseccional


 
 
 

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