Mulher Negra
- Revista Alternativa LGBTQ
- 1 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Beatriz Andrade, Mulher negra, pobre, gorda e ainda bissexual
Faz uma reflexão sobre recortes de gênero as periferias paulistanas.

Beatriz Andrade, mulher preta, da periferia de São Paulo. Nascida e criada na zona norte, sempre nos corres de quebrada em quebrada. Vida de mulher preta é assim. Trabalho desde os 13 anos, filha de mãe solteira, sabe como é. Aquele velho clichê do pai branco, que engravida a preta e mete o pé sem nem se importar com a cria. Fui conhecer meu pai, aos 19 anos de idade, por medo de carregar por muito tempo uma mágoa, mesmo que a culpa não fosse minha. Minha história é recorrente,infelizmente. Minha história é minha, é nossa. Quero levantar com vocês, reflexões das situações que permeiam a vivência de uma mulher negra periférica . Sendo mais específica, não posso deixar de mencionar sobre minha sexualidade. Identifico-me como uma mulher bissexual. Aí o buraco é ainda mais embaixo. Atualmente me relaciono com uma mulher, e estou naquele processo de “sair do armário para a família”. Gostaria de trazer, também, essas questões que tanto nos ferem dentro desses recortes. Mulher negra, pobre, gorda e ainda bissexual . Já paramos pra pensar em quantas camadas de opressão temos que carregar diariamente ? Em uma conversa com uma amiga, comentávamos sobre a “função” de uma família. Pensando a partir da minha vivência, minha família já não é lida como tradicional.
"Mãe solteira" não é bem vista. Mãe preta solteira e pobre então, nem se fala. De acordo com o que aprendemos, a família deve ser a nossa base de formação para o mundo. Onde adquirimos nossos princípios,cultivamos costumes ancestrais, temos apoio,incentivo,e fortalecimento para lidar com as questões cotidianas à vivência do ser humano. Pensando cada uma em sua família agora, será que isso ocorre¿ Família de periferia já nasce desestruturada, a fragilidade social assola as paredes da nossa casa. E muitas vezes onde imaginamos encontrar refúgio, se torna o nosso maior pesadelo. Quando se inicia o processo de ter que expor a nossa sexualidade para a família, é um momento extremamente delicado. Onde o apoio, o acolhimento é muito necessário. Nossas famílias não estão preparadas, em sua maioria, para lidar com as questões de orientação de gênero. A homofobia, muito presente na religiosidade, também é estrutural na sociedade na sociedade brasileira, junto ao racismo, sexismo, machismo, cultura do estupro, dentre outras violências. A partir disso, como podemos nos fortalecer resistir e combater a essa violência, principalmente quando os ataques vêm de nossos familiares ? Para continuar resistindo na condição de LGBT na sociedade, é necessário criar mecanismos de defesa Talvez um dos mais importantes sejam os encontros entre nossas iguais. A sororidade que brota das lutas em comum e diárias entre as mulheres pretas LGBT é algo tão magnífico, que precisa crescer e alcançar o maior número delas. Tornando a dizer sobre minha vivência, ao longo da caminhada iniciada há pouco, na militância, conheci e reconheci muitas irmãs, que por viverem as mesmas dores, conseguem ter a empatia e o fortalecimento surge dessas relações. E mesmo que as dores não sejam exatamente iguais, a irmandade preta nos deixa sensível ao ponto de respeitar e cuidar umas das outras. Isso é muito importante. Encontrar com nossas iguais para desabafos, conversas, trocas e até mesmo momentos de descontração, vejo como uma forma de impulso. Nos fortalecemos para que, em situações em que estejamos sozinhas, tenhamos como reagir. E também para entender que nem sempre precisamos ter toda essa força que nossas mães nos ensinam desde pequenas. Ouço muito: “ você é uma mulher negra, tem que ser guerreira! “. Eu não quero ser guerreira o tempo inteiro. Sou humana! Tenho direito de mesmo quando não reagir à uma opressão, não ser julgada como menos mulher por isso Vamos confiar mais umas nas outras, vamos nos acolher, cuidar. Temos de ser acolhidas, cuidadas. Formaremos um exército. E contra a força de uma mulher preta, que transcende a sua sexualidade, eu acho difícil quem possa. Não sou uma, sou várias, sou todas.
Texto: Bea Andrade
Foto: Gabriela Alvim
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